quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A plaquinha no portão

 Histórias de empreendedorismo no Eldorado 


Aline Oliveira, de 15 anos, nunca pensou que poderia aprender uma profissão no circo. Mas, diferente das crianças que visitam o projeto Rumos ao Novo Eldorado, ela não aprendeu malabarismo, rola-rola ou a andar de monociclo. Ela descobriu como fazer unhas. “Eu não sabia nem para onde ia”, ri.

Durante dias ela participou, mesmo sem ter a idade mínima necessária, de um curso de manicure e pedicure oferecido na comunidade. “Eu não podia fazer porque só tenho 15 anos, e era para adultos. Mas eu queria muito aprender, então fui apenas como ouvinte. No final, decidiram me dar o certificado”, conta.

O novo conhecimento virou profissão quando Aline decidiu pendurar uma pequena plaquinha no portão de sua casa Manicure e Pedicure. Ela agora se orgulha de conseguir uma renda extra devido ao curso. “Já tenho minhas clientes”, comemora.

O curso de manicure faz parte de uma grande quantidade de atividades que foram ofertadas para a comunidade, tais como os cursos de informática, atendimento ao cliente, culinária, atividades esportivas, entre outros.


Em breve, um salão...
Aline não é a única empreendedora. A cabeleireira Shirlley Oliveira, de 28 anos, ganhou do projeto 'Rumos ao Novo Eldorado' um kit de cabeleireiro, com direito a duas cadeiras, uma para corte e outra lavatório. Os itens foram adquiridos através de parceria com a Secretaria Estadual de Pequenos Negócios e possibilitaram que a cabeleireira realizasse o sonho de abrir um salão na comunidade.

O espaço está sendo construído na antiga varanda de Rosa Mística, vizinha de Shirlley, que trabalha com limpeza de pe- le.“Decidimos nos unir e trabalhar. A ideia é ter um espaço para todos os talentos da comunidade”, diz.

As outras profissionais trariam seus materiais de trabalho e só pagariam uma porcentagem para manutenção do espaço.


Duas primas e um salão
Luzia da Silva e Geane da Silva serão as novas empreendedoras da comunidade Eldorado. As duas são primas e participaram do curso de manicure pelo projeto. Luzia já tinha experiência e agora aguarda o seu kit de manicure, que será entregue pelo Governo do Estado por meio da Secretaria de Pequenos Negócios. Em janeiro, as duas irão fazer o curso de cabeleireiro para então abrir o negócio.

O curso foi realizado pelo SENAC no espaço do circo, o que facilitou a participação, pois Geane tem uma filha de 3 anos e precisava levá-la ao curso. Enquanto ela aprendia a fazer unhas, sua pequena Irene se divertia na companhia dos monitores do circo. Mal sabia ela que sua mãe estava prestes a ter uma profissão que vai gerar renda extra para toda a família.

Se o curso não tivesse vindo até a comunidade, eu e outras mães não teríamos feito. O projeto, trazendo esses cursos para nós, fez toda a diferença na nossa vida. Só posso agradecer! Tudo agora vai mudar”, comenta emocionada, Geane da Silva.




Erguendo o sonho do Circo Eldorado

Dono de uma fábrica de comenta de lona no Rio de Janeiro, o engenheiro Luiz Alexandre foi quem, literalmente, ergueu o sonho do circo na comunidade. Por acreditar na iniciativa, o convite recebido em junho deste ano para participar de forma tão especial do projeto Rumos ao Novo Eldorado, foi aceito sem pestanejar.

É algo que muda o meio social. Com as múltiplas atividades trazidas, está atingindo a todos. Com as inúmeras oficinas e cursos, deu oportunidade a essas pessoas de terem uma profissão, ou outra alternativa. E a partir daí, vão começar a rentabilizar de alguma maneira”, acredita.

A Ozon Lonas está no mercado há quase 25 anos, mas o circo está na vida de Alexandre há muito mais tempo. “Eu praticamente já nasci dentro da lona. A família toda trabalhou com o circo, desde o meu bisavô. Então é uma coisa de berço”, comenta. Na década de 70, o circo Hong Kong, que pertenceu à família do engenheiro, viajou o mundo durante seis anos passando pelos quatro continentes.



Apesar de ter nascido e se criado por uma família circense que viajou pelo Brasil, ele confessa nunca ter montado uma tenda tão longe. “Desde que comecei a atividade de fabricação em lona, já mandei material para longe, mas montar, assim, não”, comenta. O palco do circo no Eldorado também foi fabricado e montado pela empresa de Alexandre.

Mas a contribuição de Ozon não para por aí. Com a experiência que traz na bagagem, ele ajuda a manter o circo armado e funcionando em perfeitas condições para atender ao Eldorado. “Desde a orientação para manutenção, conservação, até as tarefas mais simples do dia a dia eu estou disposto a ajudar. Uma vez estando aqui, por exemplo, vou ali trocar um pneu”, brinca.


Do trapézio à lona
Até os 24 anos, a vida de Ozon era no trapézio. Orgulhoso do ofício, ele via o circo como um meio de ganhar a vida fazendo o que ama e, de quebra, conhecendo o seu país. “É uma profissão, como outra qualquer, mas com vários benefícios. Poucas profissões propiciam às pessoas a oportunidade de fazer essa troca de experiências, viagens e intercâmbio cultural”, afirma.






Como tudo começou..


Foi erguida em agosto deste ano, na cidade de Rio Branco, localizada em meio à floresta Amazônica, uma enorme tenda de circo no residencial Eldorado, um lugar com projetos habitacionais feitos pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Uma novidade na comunidade, muitos ali nunca tinham visto uma estrutura como aquela tão de perto. Era o projeto Rumos ao Novo Eldorado: Uma experiência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável no Acre que fincava o pau de roda (estrutura de metal) e estendia a lona para criar um show com a própria comunidade. Mas a preparação para aquele momento começou bem antes do mês de agosto.

Alcinethe Damasceno, coordenadora do projeto, lembra que o Novos Rumos, como também é conhecido, é financiado pelo Fundo Socioambiental da Caixa. Ela se orgulha da ação ser uma das onze iniciativas aprovadas em todo o país no Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Território (DIST). “No Brasil inteiro foram universidades, ONGs, institutos, e só no Acre venceu uma empresa, no caso a Ciranda, que trabalha com cultura, comunicação e meio ambiente”, conta.

Usar uma estrutura de circo para fazer as atividades na comunidade sempre foi um diferencial do projeto. “Essa proposta de ter o circo é pela itinerância, as possibilidades que o circo nos permite, de ser um espaço amplo, lúdico, que atenda às necessidades da comunidade, que não tem espaços comunitários”, afirma Alcinethe.

Depois do projeto aprovado, foram reuniões, passeios, pesquisas, mais reuniões, contatos, trocas de ideias, atividades... Um exemplo foi o passeio feito com a comunidade no Centro Histórico do Quixadá, local histórico que existe na regional.

Fizemos uma expedição no Sítio Histórico do Quixadá, com um ator representando um idoso, para conhecer esse território histórico e geográfico. Porque essas pessoas vieram de outros locais e não conheciam a região onde estavam vivendo. Faz parte do nosso trabalho criar essa nova unidade, estabelecer um vínculo entre os moradores e o lugar”, afirma.



Também foi construída uma relação entre as pessoas que trabalhavam no projeto e as que viviam no local antes de finalmente o circo ser erguido. “Não tínhamos a tenda grande, então substituímos por pequenos gazebos e as atividades aconteciam da mesma forma: nos terreiros, nas ruas, espaços que conseguíamos ter uma manutenção. Ocorriam atividades com palhaços, de educação ambiental, grafite, cinema, dança e esporte”, lembra a coordenadora.

E olha que este não foi um ano fácil para o projeto. Muitos obstáculos tiveram que ser superados. O Rio Acre alagou, deixando inúmeras famílias desabrigadas. O Rio Madeira transbordou e o Acre ficou isolado por semanas do restante do Brasil, impedindo que alimentos, encomendas e o circo chegassem ao estado. A Copa atrasou ainda mais o projeto, porque no país do futebol, um evento como esse praticamente parou o Brasil por um mês. E ainda teve a eleição! Devido a tantas dificuldades, muitas coisas do projeto original precisaram ser adapta- das. Mas, em meio a tudo isso, o circo se ergueu e as atividades começaram. E com todas elas, as transformações lentas, gradativas, mas intensas.

O projeto vai além do lúdico, da cultura ensinada por meio da arte circense. Com produção de uma horta comunitária, hortiquintais e ensinamentos sobre a permacultura, a educação ambiental é um forte pilar desse projeto. A geração de renda e a economia criativa também são fatores importantes do trabalho, que trouxe benefícios sociais para a comunidade.

Quando a gente pensa em uma lona de circo, pensa em tudo que pode se movimentar em torno dela: aglomeração de pessoas, a geração de renda a partir dessa tenda, o aperfeiçoamento de produtos e serviços, tudo isso acontecendo dentro de feiras. Entendemos a cultura como uma base forte, realmente de transformação e de mudança social”, afirma Alcinethe.


A atividade circense vem aglomerar as pessoas e os ensinamentos nas diversas áreas. É a transformação através da cultura, do meio ambiente e da tecnologia social.

Porque aspectos culturais conseguem alcançar a comunidade em todas as faixas etárias. A gente tem visto isso. Se constituiu um grupo de adolescentes e crianças, que já fizeram apresentações, apesar do pouco tempo de oficinas para a atividade circense. Mas, levando em conta que aqui no Acre somos uma comunidade com a tradição de terreiros e quintais, as pessoas brincam na rua, saltam... Essas habilidades estão nas nossas crianças e isso é um potencial muito grande”, acredita a coordenadora.

Neste site, você vai descobrir mais sobre esse projeto e como ele, aos poucos, foi modificando a vida no Eldorado.